Enfim, a luz! Mamãe Down Up, Ana Flávia Jacques

1Já havia se passado metade do dia 24 de setembro de 2012. Eu estava em uma sala com outras mulheres, muitas delas já em trabalho de parto. Me lembro de ter ficado um pouco assustada com os gritos que vinham do espaço ao lado, fechado por uma cortina. A moça fazia força, berrava, pedia para desistir, conversava com o filho ainda dentro da barriga, pedia para ele vir logo. Foi demorado e muito difícil para ela. Por causa desse episódio, o meu parto cesariana, que estava programado para às 12h, teve que ser adiado por algum tempo. Fiquei esperando e enquanto a equipe médica não vinha me atender, um filme passou pela minha cabeça. Era chegada a hora e eu, finalmente, conheceria a minha Cereja. E, afinal, o que estava reservado para a gente? O que iria acontecer com a minha pequena?

Já estava pronta para a nossa luta. Papai do Céu havia me dado de presente todas as informações sobre o que provavelmente passaríamos dali em diante. Eu sou muito grata a essa oportunidade de ter tido tempo para preparar tudo, para pesquisar, conhecer, oportunidade de ter escolhido o nosso destino. É triste pensar que cerca de 90% dos casais decidem pela interrupção da gravidez em casos como o nosso. A estatística não é oficial, afinal o aborto no Brasil é ilegal, salvo exceções, mas na prática sabemos que acontece e, muitas vezes, por medo do desconhecido e falta de conhecimento.

A expectativa e a ansiedade eram enormes. Pedi uma sala de parto com visor de vidro, pois toda a nossa família queria participar do grande momento. A resposta foi negativa e eu sabia exatamente o porquê. Não sabíamos em quais condições nossa princesa nasceria. Tive medo, mas me mantive firme para receber a pequena Maria Fernanda de braços abertos.

2Vivi os últimos dois meses da gravidez de uma forma muito intensa, sempre de olho na metade cheia do copo. Exercitei muito essa teoria e foi maravilhoso pensar assim! Procurei viver um dia de cada vez e curtir muito. Fiz pose para as fotos, pintei a barriga, ganhamos dois maravilhosos chás de fraldas, lembrancinhas da maternidade, montamos o quarto, personalizamos peças. Conversei e cantei muito para a Maria Fernanda. Estreitamos nossos laços intensamente. Ela se mexia, chutava, dava socos. Pareciam respostas para os meus anseios. Eu brincava que pareciam séries de UFC ou qualquer uma dessas artes marciais. E eu insistia em convencê-la a ficar por aqui com a gente, pois o que eu mais queria era poder mostrá-la para o mundo e o mundo para ela.

Eu era uma gestante como outra qualquer. Não tive nada de mais grave, apenas os tradicionais enjoos e, mais tarde, um pouco de azia e cansaço. Mas foi uma gestação diferente, rodeada de expectativas e incertezas, com muitos exames e ultrassons semanais depois da confirmação dos diagnósticos. O Crescimento Intrauterino Restrito (Ciur) precisava ser acompanhado de perto para não haver o risco de hipóxia (falta de oxigenação), o que poderia causar a morte intra-útero.

Por fim, toda a angústia estava prestes a acabar. Não demorou muito desde o primeiro corte na minha barriga até o nascimento. Às 13h45 chegava ao mundo a minha flor, que desde o primeiro segundo de vida perfumou aquela sala fria. Nasceu admiravelmente bem, com nota Apgar 8 e 9. Seu choro reacendeu em mim a esperança de que tudo ficaria bem e levou embora o grande medo de perdê-la ali, no momento em que a vida deveria começar. Eu quase não acreditei quando recebi aquele pacotinho nos meus braços. Um bebê real, de carne e osso, embalado pelo cheiro da vida e pela força de quem apenas queria viver. Sim, ela mudou as previsões. Não estava no roteiro nascer tão bem. Começava ali a trajetória da linda e doce Cerejinha. Pequenina, mas grande o suficiente para desde cedo ensinar.

* Ana Flavia Jacques, jornalista e mãe de primeira viagem da Maria Fernanda, a Cerejinha Baby, uma linda e doce garotinha com síndrome de Down, escreve às terças-feiras, a cada 15 dias.