Fomos parar no hospital em Paris
Era um café da manhã animado de domingo porque o sábado tinha sido demais. Geralmente no final de semana a gente passeia muito por aqui, tentando dividir os programas e equilibrar os interesses de dois adultos que buscam atrações diferentes e uma criança. Como sempre fazemos, vamos passando as opções e discutindo para montar a programação do dia. O sábado tinha sido incrível. Fomos a uma exposição de arte contemporânea, caminhamos, fizemos piquenique no parque, fomos a um lançamento de livro, jantamos no restaurante e voltamos para casa felizes, muito felizes por tanta coisa boa e divertida.
No meio do café, o olhar parado nos chamou a atenção. Em poucos segundos identificamos o que parecia ser uma convulsão. Meu marido ligou imediatamente para a emergência, o SAMU daqui, enquanto eu tratava de mantê-lo conversando, testando a sua consciência. Respondia com dificuldade mas obedecia aos meus comandos. Mantinha as respostas certas (nome da mãe, cidade onde moramos atualmente, nome do irmão) mas as mãozinhas estavam quase cerradas, o braço começou a endurecer. Foi o tempo de vestir uma roupa em cima do pijama e os profissionais do SAMU – cinco ou seis, não consegui contar – estavam na nossa sala fazendo os primeiros atendimentos, testes, verificando o quadro.
Fomos na ambulância para o hospital infantil Necker, especializado em pediatria. O olhar assustado mostrava que ele já tinha voltado e buscava entender o que se passava. As enfermeiras tentavam, em vão, arrancar um sorriso mas o semblante do menino era de preocupação – enquanto a ambulância seguia pelas ruas quase vazias de Paris, ele segurava a minha mão, me olhava profundamente, e me fazia perguntas – como pode uma criança que ainda não completou oito anos se dar conta de tudo, entender o que se passa, lembrar que já viveu algo parecido, pedir informações… tento manter a lucidez, a animação séria, a confiança… por dentro estou destruída, meu corpo deve chorar intimamente, mas me mantenho firme, como aprendi desde os tempos das nossas longas internações hospitalares. Fantasmas sempre vão e voltam… O documentário da nossa vida passa em uma velocidade incrível na minha cabeça. Vejo todas as cenas, edito as principais, quero um final diferente.
Explicava que eu estava ali, que ficaria tudo bem, que o pai estava a caminho porque não cabia na ambulância, o tranquilizava… como sempre, se mantinha calado por alguns minutos, observava tudo ao redor, não chorava… Conseguiu caminhar ao chegar ao hospital, onde fomos atendidos imediatamente. Parece um rapazinho. Provavelmente o crescimento dos últimos meses e os quilos a mais fizeram com que a medicação anticonvulsivante não fizesse o efeito desejado – essa foi a conclusão do médico. Foi preciso fazer um grande esforço para explicar tudo em francês – eu já havia treinado nas aulas no Brasil, já havia falado sobre isso em inúmeras reuniões com a médica e a equipe multidisciplinar da escola, com o neuropediatra que consultamos aqui, mas na situação de emergência era tudo diferente. Felizmente, as palavras saíram em francês e todas as informações necessárias foram encontrando seus lugares. (rapidamente se passaram na minha cabeça as cenas de 1998, quando meu marido e eu estávamos na Turquia com uma amiga diabética que teve uma crise gravíssima e foi internada. Foi preciso traduzir o que ela sentia para o inglês sem que eu dominasse nada ou quase nada relacionado à doença).
Felizmente parece que foi ‘só’ (com muitas aspas) uma crise de ausência, e não uma crise convulsiva a exemplo do que experimentamos há exatamente um ano e que eu registrei aqui… É que a crise de ausência parece menos grave aos olhos dos leigos. A pessoa fica alguns segundos ou minutos ‘fora de si’ e volta… O Dr. Dráuzio Varella explica no site dele a diferença entre as duas. E chama a atenção para um aspecto importante: a crise de ausência pode acontecer na escola e professores mal informados podem achar que a criança tem problemas cognitivos. Vale a pena ler aqui.
A novidade no tratamento agora é que na França já é comercializada a medicação Buccolam oral para ser administrado em caso de crise. Pela informação que eu tenho, mas também não apurei muito, no Brasil só existe a versão injetável, o que impede os familiares de terem em casa para casos de emergência. Espero não precisar usar, mas é bom saber que existe.
A essa altura meu pensamento vai para as centenas ou milhares de famílias que convivem diariamente com convulsões – para aquelas crianças que, mesmo tomando medicação, continuam sofrendo com as crises ao ponto delas se tornarem corriqueiras. No nosso caso, como são muito espaçadas – aconteceram aos quatro meses, aos 6 anos e agora exatamente um ano depois da última – são avassaladoras do ponto de vista do impacto emocional – muito mais nos pais do que na criança. Não sei se a gente realmente se acostuma a esse tipo de situação ou se a gente simplesmente se acostuma a lidar com ela. Ontem eu estava tão fisicamente triste que só conseguia pensar em sofrimento e estava tão mentalmente alegre por ‘tudo ter se resolvido rapidamente’ … era uma reação quase bipolar: Um lapso de segundo, velozmente eterno, empurra o contentamento, atropela… ameaça a felicidade… lembra que sofrer é para todos, é para cada um… e a dor só traz de volta, na mesma velocidade, a felicidade, se essa dor for sentida, sofrida, vivida… algumas vezes contentamento e tristeza se aproximam, se atraem… só é feliz quem se permite sofrer… e sofrer não significa parar de bem viver…
A criança, felizmente, um dia após o outro, se levanta feliz, tagarela, cheio de perguntas ‘sobre o que eu tive ontem’, quem eram os médicos, quando eu voltar para o Brasil vou ter que continuar indo ao médico, uai, mais eu não tomava um comprimido de manhã agora é um e meio? E por aí vai… sempre cantando, sempre sorrindo, sempre assobiando, nos garantindo uma paisagem sonora mais doce e dinâmica do que merecemos, como mostram essas fotos tiradas ontem à noite depois de ‘tudo’ …
Sônia, fico admirada com vocês, com o modo leve que vocês encaram a vida. Fiquei feliz em saber que o Pedro está bem, ele é um anjo. Bjs
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Márcia, obrigada pela presença sempre carinhosa. Você bem sabe como a sua energia positiva é importante para todas nós, mães. Um beijo
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Sonia,
Fico feliz que o Pedro esta bem, você é uma grande guerreira, uma mulher vitoriosa, Deus ilumine cada passo da sua vida, muitas bênçãos a família.
Beijos no Pedro
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Marcelo, uma delícia receber a sua mensagem, como sempre sensível e carinhoso. Nós que agradecemos tanto amor pelo Pedro. Um beijo grande
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Léia, muito obrigada pela presença sempre constante! Um grande abraço para vocês todos! Amém
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Oi Soninha, li seu texto inspirador. Esse foi o melhor adjetivo que consegui desencavar do meu sentimento após a leitura. Já te disse que a considero uma mãe exemplar. Isso foi há tempos e, cada vez mais, aumenta minha admiração pela forma doce e ao mesmo tempo sábia com a qual conduz sua relação com o Pedro e com o Márcio. Mas ao lê-la dessa vez fiquei surpreso de como aqueles símbolos e signos iam se transformando em imagens… fui construindo um mosaico delas e às vezes rodavam complementares como num filme. E, como num filme, senti a angústia e a impotência… e acessei minha representação do que descreveu. Sim, minha representação construída à partir do texto, impactando meus sentimentos, que já estavam tensionados nos últimos dias. Li, reli. Derrapei minha ideias numa tristeza funda mas soube resgatar algumas que agora te apresento sem pretensão de sentido, sem ordem, sem mais que um relato caótico de alguém longe perto…: o amor que construíram; a ternura que têm com o Pedro; a resistência desse garoto amável e perspicaz; os médicos e pesquisadores que vão encontrando lenitivos; o futuro que estão sempre a construir; a rede de pessoas e ideias; os fantasmas do passado; a generosidade do compartilhamento; a sabedoria que abastece e energiza a superação; o bom astral; o sorriso banguelinha do Pedro…
Vocês são muito especiais. Souberam reescrever o roteiro. Mudaram a dramaturgia. Embelezaram (e muito) o cenário. Não pouparam cuidados com o texto, a direção. Organizaram as coisas. Eu vejo um filme de final feliz. Sei que as emoções vão oscilar, que muitos desafios serão enfrentados mas, como no rito heróico grego, conquistarão o lugar especial daquele que conta, que relata, que usa o texto para inspirar sentimentos. Vocês, Sônia e Márcio, fizeram uma bela história a partir da adversidade. Um tecido tão bem construído que é suficiente para aquecer o Pedro numa proteção segura. Acho que dessa forma vão permitindo a ele que cresça e aprenda coisas novas a cada dia, repercutindo o que vocês mesmos colocaram como desafio: o aprendizado. As dimensões de possibilidades, de terna proteção, de escrita permanente do texto da vida é que sustenta nosso guerreirinho rumo a seu futuro. O encanto da história do Pedro é que ele vai sempre em frente. E isso é tudo! A cada evento, cada novo aprendizado que tomamos conhecimento, aprendemos com o Pedro a superar, a aprender a aprender, a caminhar lenta mas diretamente para nosso futuro. Obrigado guerreirinho querido! Obrigado Soninha por compartilhar suas sabedorias.
Marcelo
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Sônia, como sempre seus textos são muito sensíveis, de emocionar muito a gente! Que bom que tudo voltou ao normal e que o atendimento foi tão rápido! O Pedro é uma criança forte e sensível, como vc! Fiquem com Deus!
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Escrever serve de alívio para mim também… Acho que é coisa de gente que, como nós, é apaixonada pelas palavras! Bjos e fique bem!!!!!
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Sabe que escrever parece aliviar meus sentimentos? Os textos brotam em alguns minutos, não reviso nem olho novamente, gosto de publicá-los como surgiram… mas depois, ler os comentários, é sempre emocionante demais <3… sou exemplo de nada… sou só alguém que fica tateando e aprendendo a viver. Obrigada pelo carinho e pela leitura, Rodrigo
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Nair, muito obrigada pela torcida e pelas orações, é sempre muito bom saber que podemos contar com a sua energia. Um beijo grande
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Não sei o que dizer, ficou excelente. Sincero até o ultimo caractere, criativo, revelador. Realmente não sei o que dizer, a não ser que você escreve e descreve fatos e emoções de uma maneira cada vez mais plena. Lendo vi como estou cansado, precisando me evadir.
Como hoje de tarde, quando Pedro e eu demos risada na rua, tranquilos e felizes numa cidade que não te ameaça. Eu tive que morder a bolinha-brinquedo de 20 cents para constatar que não era comestivel, ele me olhando com aquele olhar ao mesmo tempo curioso e zombeteiro, tipo “será que o meu pais não sacou que não é de comer?” Ele encontra deus e o mundo na rua, colegas acenam, colegas cumprimentam de longe, ele grita bonjour para todos. Vê uma adulta, diz que ela estava na escola hoje. Vai decifrando tudo em francês, traduzindo, não traduzindo, associando. Tudo é novo. O bairro é familiar para ele, como talvez nunca o tenha sido nenhum bairro no Brasil.
Amor, amor.
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Sônia, você é um exemplo. Lendo seu texto, fui sentindo toda a aflição que você relatou. Deu um nó no peito…
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Ivany muito obrigada, mas não sou nem metade disso tudo, quem me dera… é a situação que nos desafia e a gente vai aprendendo com ela. Muito obrigada pela presença sempre constante e pelas boas energias
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Turbino, muito obrigada! A gente vai aprendendo a cada dia, de acordo com a necessidade… e essa carinha boa do Pedro é nosso amuleto!!! Um grande abraço
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Thais, quem me dera ser um anjo para proteger tanta criança… obrigada pela presença sempre agradável e cheia de boas energias. Um beijo grande
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Sônia, fico na torcida para que Deus continue abençoando a sua família para que vocês tenham sempre sabedoria, força e serenidade para resolver os problemas do dia a dia. Bjs.
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Sônia, você realmente é uma pessoa extraordinária. Mesmo numa situação adversa, administra tudo com presteza e maturidade. Parabéns pela coragem, força e discernimento. Que Deus abençoe vocês. Sempre! Bjs
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Sônia, realmente impressionante o seu relato. Parabéns, pela forma madura que administraram esse momento de crise. Parabéns, por manterem-se de pé quando a vontade estarem no chão. Parabéns, por juntos não desanimarem nunca – haja visto essa carinha boa do Pedro, mesmo depois de um momento tão difícil. Abs.
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Você esconde suas asas de anjo onde?
Parabéns por tudo: pelo filho, pela lição, pelo texto, pelo exemplo…
Beijos
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