Fundamentos do correto

*Fatine Oliveira

Certa vez, ainda adolescente ouvi rumores de uma reinvindicação do movimento negro sobre a ausência de modelos negras em propagandas. Naquela época não tínhamos a internet na configuração atual, portanto o pedido não teve a mesma força que os clamores de hoje em dia. A propaganda vivia tempos de glamour, onde possuía em mãos os desejos do seu público, obtidos por meio de pesquisas e mais pesquisas. A comunicação fluía em uma via de mão única.

 Porém a internet lentamente mudou os cursos desse fluxo de ideias, o público antes um receptor silencioso, tornou-se também emissor e gerador de conteúdo. As redes sociais reuniram pessoas com gostos e pensamentos parecidos em gigantescas tribos virtuais capazes de mudar não apenas o rosto da modelo no shampoo, como também derrubar governos.

Não demorou muito para empresas se posicionarem, algumas mantendo-se presas ao passado e a antigos planejamentos, outras, porém seguindo o curso das mudanças. Atentas ao comportamento e tipos de interação, analistas de mídias sociais elaboram uma estratégia de posicionamento alinhada ao seu público alvo. Surgem assim, as empresas com responsabilidade social ou com discursos “politicamente corretos”.

O ponto positivo dessa nova fase é a conquista da representatividade social em espaços antes não explorados pelo grupo de pessoas fora dos padrões normativos de corpo, sexo e raça. A presença de indivíduos semelhantes aos destes grupos colabora para a formação de sua identidade social, essencial para formação de uma sociedade diversa capaz de atender e respeitar o direito de todos.

Entretanto, faz-se necessário observar a veracidade do discurso de algumas empresas. No desejo de mostrar-se conectada aos anseios do público, muitas deslizam em seus discursos sociais e caem no julgamento virtual quando possuem seus erros descobertos. Empresas de roupas que escondem a escravidão na produção de suas peças, são um dos exemplos mais comuns nas redes sociais.

Vemos várias marcas aderindo a descrição de suas imagens “para cego ver” em postagens no facebook como uma das maneiras de se mostrar politicamente alinhada as novas demandas. Contudo, ao observarmos sua timeline e o perfil de suas imagens notamos uma permanência do padrão nos corpos, pois nenhum deles possui deficiência física.

Não me parece coerente o discurso inclusivo nestes casos, uma vez que a acessibilidade deve ser universal, ou seja, capaz de atender a todos, a comunicação e posicionamento de uma empresa deveria ocorrer do mesmo modo. A presença de alguém com deficiência não deveria ser um fator especial, mas parte de seu cotidiano seja com funcionários, seja com clientes.

Contudo para alcançar este ponto ainda é preciso que as pessoas com deficiência solicitem esta presença, reivindicando modelos com deficiência nos ensaios, lojas com espaços e atendentes capazes de nos atender dentro de nossas especificidades (veja que não menciono necessidade, pois compreendo que todos independente de deficiência precisamos de alguma coisa, contudo cada um de nós possui algo específico que nos diferencia) e produtos pensados também para nós.

Diversos movimentos permanecem em vigilância, pois a conquista de direitos para minorias caminha em uma corda bamba até se tornar um comportamento social estrutural, por esse motivo sempre que virem uma empresa/marca fazer uma postagem politicamente correta, observe se aquilo é algo permanente ou se é apenas uma estratégia de mercado porque a diferença entre ambos é tênue, amigxs.

Enquanto isso, navegai e vigiai.

 

– Os argumentos expressos nesse texto são de responsabilidade da autora.

#pracegover: a imagem em destaque tem duas imagens. A primeira aparece um pé de uma pessoa gigante calçado em um sapato social com várias pessoas abaixo, sustentando esse pé. A imagem é cinza, abaixo está escrito Capitalismo. A segunda imagem é a mesma, mas toda colorida, com diversos balões coloridos. Tem um pequeno palhaço voando, ele está sendo carregado por uma grande quantidade de balões. Abaixo está escrito: Capitalismo com representatividade!

FotoFatine Oliveira é formada em Publicidade e Propaganda e trabalha como freelancer de direção de arte. Tem 30 anos (mas não precisa espalhar!), adora café, seriados, quadrinhos e uma boa conversa no boteco. 😀