Autismo: por que fugir da Psicanálise
A blogueira Andrea Werner, do blog Lagarta Vira Pupa, nos sugeriu o texto a seguir, escrito por ela, para refletirmos sobre autismo e psicanálise. Vale muito a leitura.
Comecei esse blog em Janeiro de 2012. Desde então, falei com centenas de mães. E uma coisa bem comum é a mãe que não sabe exatamente o tratamento que o filho está fazendo. Muitas me dizem que o filho “faz tratamento com psicóloga”, mas não sabem me dizer a linha ou que tipo de tratamento é esse.
Se você se enquadra nessa descrição, gostaria de te pedir para se informar melhor. Porque, se essa psicóloga que está “tratando” o seu filho é adepta daPsicanálise, você está perdendo tempo e dinheiro. E, nesse texto, eu vou explicar o porquê.
Culpar a mãe não é coisa nova. Na verdade, culpar a mulher não é. Que o digam as milhares de mulheres que foram mortas na Idade Média, acusadas de bruxaria, nas fogueiras da Inquisição.
No séc XIX, Sigmund Freud (o pai da Psicanálise) divulgou a teoria de que as experiências no início da vida da criança poderiam causar distúrbios no desenvolvimento. E a figura central dessa idéia é, claro, a mãe.
E, aqui, começa a aparecer a ligação disso tudo com o autismo. Apesar de, provavelmente, esse transtorno sempre ter existido, só foi inicialmente descrito no século XX, quando foi considerado como “retardo mental” ou “psicose infantil”.
Nos anos 40, uma nova hipótese ganhou força com o psiquiatra Leo Kanner. Em uma releitura freudiana, ele colocou a culpa do autismo no que ele chamou de “mães geladeira”. Em uma entrevista para a Time Magazine, em 1960, ele as descreveu como “somente capazes de descongelar o suficiente para produzir uma criança”.
Leo Kanner tirou essa brilhante conclusão, dentre outras coisas, por observar a dificuldade que as mães de crianças autistas tinham em brincar com seus filhos. O que era a consequência, virou causa. As mães tinham dificuldades de brincar com os filhos PORQUE eles eram autistas, e não “as crianças se tornaram autistas porque as mães não sabiam brincar com elas”!
Mas essa ideia ainda foi reforçada e popularizada, posteriormente, pelo psicólogo Bruno Bettelheim. Em seus artigos, escritos nos anos 50 e 60, ele afirmava categoricamente que o autismo era causado pela frieza da mãe em relação à criança.
Outro papa da Psicanálise, nos anos 60, mudou o nome de “mãe geladeira” para “mãe crocodilo”, mas a definição continuou a mesma. Lacan descreveu crianças autistas como “vítimas da alienação de uma mãe psicogênica que é incapaz de se separar de uma criança que é um substituto para o pênis que ela nasceu sem”.
Depois disso tudo, talvez não seja necessário, mas vou enumerar alguns motivos pelos quais essa teoria não tem pé nem cabeça:
- O que todos – Kanner, Bettelheim e Lacan – pareciam ignorar é que essas mesmas “mães geladeira” produziam filhos autistas e neurotípicos!
- Autismo não é uma psicose! É genético! Há vários genes (e mutações) ligados ao autismo. Se quiser ler mais sobre isso, clique aqui
- Muitas crianças, inclusive, já apresentam sintomas desde bebês, o que descarta, por completo, a questão da influência da mãe (ou do pai).
- Não adianta ignorar as descobertas da neurociência: o cérebro dos autistas é diferente! Você pode ler aqui como as crianças autistas possuem muito mais neurônios no córtex frontal.
- A base da psicanálise é o “falar para curar”. A pessoa fala sobre o comportamento que a incomoda, o psicanalista analisa as possíveis causas ocultas disso e a pessoa consegue mudar o comportamento através dessa consciência. Mas como – e em que mundo – uma criança autista de 3 anos, não verbal, vai se “sarar” dessa forma??
Na França, país extremamente ligado à psicanálise, a situação dos autistas é muito, muito precária:
- Há 17 vezes mais estudantes autistas nas universidades do Reino Unido que na França.
- A taxa de inclusão escolar de crianças autistas na França é de 20%, versus 60% de outros países desenvolvidos.
- Há pais “fugindo” da França e indo para a Bélgica procurando tratamento melhor para seus filhos autistas. Leia mais aqui.
- O documentário “The Wall” denunciou esse tratamento de orientação psicanalítica dado aos autistas franceses e foi censurado! Você pode ler maisaqui.
- Após isso, houve uma resolução recomendando técnicas comportamentais e pedagógicas para tratar o autismo ao invés da Psicanálise. Leia mais aqui.
No Brasil, também há os adeptos dessa teoria arcaica. Quem, aqui, quando desconfiou de algo errado no desenvolvimento do filho, não ouviu do pediatra que isso poderia ser “falta de estímulo”? Muita tv ou dvd?
Conheço mães que perderam 3, 5, até 9 anos jogando dinheiro fora sem nenhum progresso por causa disso. Crianças com um baita potencial estão “encostadas”, sendo tratadas como nos anos 50!
Por isso, se você é pai ou mãe de autista, fica o recado: fuja da Psicanálise! E, se o médico do seu filho recomenda essa técnica…fuja dele também.
Olá, meu nome é Kátia Mattos, sou Psicanalista e trabalho em Niterói, Rio de Janeiro.
Ao trabalhar com crianças autistas, vejo o que cada uma, em particular, tem como questão, pois o sentido da Psicanálise não é a generalização (tratar o Autista), mas justamente dar lugar ao que cada Sujeito tem a dizer sobre si. Assim, queremos saber do João, da Elaine, do Pedro etc e não do Autista, do Surdo, do Cego. Queremos o que está por trás do rótulo. E o dizer pode não ser, necessariamente em palavras. Pode ser em atos, como os de proximidade, de recusa, de isolamento, de busca de integração, demonstração no corpo de sentimentos, etc.
Além disso, existe a questão da mãe. Mãe e função materna são coisas diferentes e não necessariamente a mãe exerce essa função. A função extrapola a mãe real. A psicanálise também evolui com o tempo e esses conceitos são difíceis mesmo de entender.Portanto, assim como a sexualidade é mal interpretada por quem não é da área de Psicanálise e acha, leigamente, que Freud só fala de sexo, assim também, quem não é da área não entende outros conceitos importantes da mesma, Mas, isso é assim mesmo! Nossa função como psicanalistas é poder dar lugar inclusive a essas confusões, para que daí surja discussão e crescimento nosso, e dos outros de fora da psicanálise.
Quando tenho um paciente Autista, antes não me incluia em nenhum lugar dentro da sessão e de repente, me ´da um brinquedo que estava com ele a várias sessões, isso para mim é fala. Quando um paciente, senta de costas para mim e passa a se voltar para mim, isso é fala. Quando um paciente, que não verbaliza, começa a soltar a sua voz, mesmo com fonemas, aparentemente, sem sentido, direcionando isso para mim, isso é fala e tudo isso, mas do que fala, é linguagem. Isso é o mais importante e fundamental em nós seres humanos: estarmos inseridos na linguagem, no laço social. Se existe desejo de estar no laço é daí que tudo o mais será construído a favor desse mesmo social. Daí é possível que entrem os Pedagogos, fonoaudiólogos, Terapeutas Ocupacionais, professores, para trabalhar o que não é do campo da Psicanálise.
Bom, essa é a minha posição diante do trabalho que acredito acontecer nas, humildes quatro paredes de meu consultório.
Obrigada.
CurtirCurtir