Psicanalista critica série do Fantástico sobre autismo
Para reflexão… a leitora Jaqueline Abrantes Pego, que é fonoaudióloga, nos enviou o texto a seguir. Vale a pena a leitura.
À Rede Globo
Produção do Fantástico
Série Universo Particular – Autismo
Olá a todos da equipe do Fantástico, venho assistindo à série sobre o Autismo do Dr. Dráusio Varela e muito tenho me surpreendido com o que se está veiculando ali, pois considero a Rede Globo uma emissora fantástica e de longo alcance por este Brasil afora!!! Mas, infelizmente, penso que o programa está veiculando algo completamente reducionista quando sinaliza um único tipo de intervenção possível, quando não aborda o que existe de importante e sério na nossa rede pública (num país em que poucos têm acesso à rede particular e que podem usar o SUS e os CAPsi com segurança!) e, principalmente quando veicula que o autismo é incurável! Faço parte de uma equipe interdisciplinar que tem como característica principal de atendimento aos bebês que nos são encaminhados por médicos ou outros profissionais, quando existe a suspeita de um possível quadro autístico na forma de essa pequena criança se manifestar em sua pouca idade. O nosso foco do tratamento é na relação mãe-pai-bebê, mesmo que outras questões do bebê nos movimentem para organizar etapas de seu desenvolvimento neuro-psico-motor e/ou suas questões alimentares ou de linguagem. Nossa intervenção e nossa preocupação estão voltadas para a organização desse vínculo inicial fundante e para todo o significado que ele tem na constituição do psiquismo do bebê e no seu desenvolvimento neuromotor, assim como nos preocupamos ainda em ajudar esses pais em suas enormes angústias ao não conseguirem interagir com seu bebê. Como o tempo do bebê é marcado pela urgência, trabalhamos em uma rede interdisciplinar, conjunta e simultânea, desde o primeiro atendimento clinico no nosso serviço e a essa forma simultânea ao acolhimento e/ou cuidado ao bebê e aos seus pais, chamamos de Clinica da Constituição do Laço. Entendemos que corpo e psiquismo não se desenvolvem isoladamente, e depois se juntam. Como uma rua de mão dupla, a escuta do psicanalista se integra à intervenção dos profissionais das áreas de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional assim como a intervenção desses profissionais se integra à escuta do psicanalista. E essa rede de sustentação, que permite uma sintonia muito fina e delicada entre os vários profissionais, se estende também ao neuropediatra, ao psiquiatra e/ou à escola, mesmo que estes não estejam nas cenas clínicas, e sim num atendimento individual ao bebê, à mãe ou ao pai, quando preciso for. Isto nos obriga a uma interdependência e uma corresponsabilidade nos manejos clínicos sem que uma especialidade valha mais que outra e, principalmente, sem que o saber do profissional se sobressaia ao saber dos pais sobre sua pequena criança e sempre os legitimamos a acreditar no quanto eles conhecem e são assertivos com seu filho. O trabalho interdisciplinar, hoje uma tendência marcante nas políticas de saúde de vários países inclusive do nosso Brasil, traz, na forma como é feito em nossa instituição, um benefício clínico a mais, já que permite-nos intervir mais precocemente na passagem simbólica do corpo à linguagem, por entendermos que nosso espaço clínico é também um lugar para se colocar palavras no sofrimento do bebê e no de seus pais, além de dar significado à história do nascimento e da vida do bebê, de seus pais e de seus quatro avós, marcando os movimentos de cada geração. Este “acontecimento coletivo” permite-nos avaliar, com mais rapidez e segurança, as características das dificuldades enfrentadas pelo bebê em seu desenvolvimento físico e psíquico, e pela mãe na sua relação com seu bebê. E a esses cuidados, geralmente precoces, podemos chamar de prevenção quando se procura estabelecer uma dinâmica que torna possível compreender se os componentes com os quais nos defrontamos, ao longo das consultas, devem ser vistos pela ótica da neurologia infantil, pela da relação entre mãe e bebê ou ainda, se por ambas. Sabemos que o objetivo principal de um grupo de profissionais trabalhando juntos na mesma cena clínica com bebês que podem estar em risco de desenvolver um quadro com defesas autísticas importantes, é o de poder fazer os ajustes necessários na relação da mãe com seu bebê como um primeiro e fundamental aspecto de um tratamento que leva em conta a teoria da psicanálise. Isto significa minimizar as angústias tanto do bebê quanto as de seus pais, pois isto irá ajudar e muito nas trocas interativas entre eles. E essa garantia de um vínculo sólido e organizado ampliará as capacidades do bebê para fazer laço social com seus parentes, depois com seus amiguinhos na escola e, mais tarde, com seus amigos no trabalho. E tudo isto não é pouca coisa, pois a certeza do vínculo seguro poderá ampliar suas capacidades de aprendizagem e de relacionamento futuros.
Ass: Eloisa Tavares de Lacerda, Fonoaudióloga e Psicanalista, participante do Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública – MPASP.
Psicanálise… bah. Não consigo compreender como isso ainda é levado a sério atualmente. Vergonha alheia, muito blablablá por nada e a fala prolixa para mascarar a completa falta de informação sobre perspectivas mais atuais sobre o autismo.
Muito bom, France.
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É lamentável que uma série que tenha começado tão bem, tenha terminado de maneira tão lastimável. Concordo com o Dr. Salomão quanto ao fato de que nem todas as pessoas se beneficiarem da inclusão em escolas regulares. Esta é uma verdade daquelas tão difíceis de encarar, que chega a doer. Mas o que me deixa revoltada é que de maneira geral, a mensagem que ficou foi de que os autistas em sua grande maioria não se beneficiam da escola regular. É claro que não é fácil, é claro que adaptações são necessárias, mas o que percebo é que a grande maioria pode sim se beneficiar das práticas inclusivas. Não nego que a maioria dos profissionais que se encontram nas escolas não estão capacitados para lidar com o autismo, mas esta já é uma outra conversa, afinal também não estamos preparados para lidar com diversas situações, mas ainda sim, nos dedicamos ao máximo. Gostaria muito de convidar todos a conhecerem as escolas municipais de Vinhedo, nas quais temos diversos autistas APRENDENDO e INTERAGINDO. Sem mais.
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http://www.bbc.co.uk/news/magazine-17583123
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“fazer os ajustes necessários na relação da mãe com seu bebê como um primeiro e fundamental aspecto de um tratamento”. A frase já diz tudo sobre o tipo de magia que os psicanalistas praticam. Negar a ciência e escolher viver nas trevas deveria levar esses profissionais à fogueira. Porque não tem outro nome para o que elas praticam, a não ser bruxaria. E gostaria de pedir para explicarem como se dá o autismo regressivo. Quando a criança tinha um vínculo com a mãe, família e amigos e perde aos 2 anos. Alô Tudo Bem Ser Diferente, cuidado com as suas fontes!
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Acredito que existem formas da psicanálise atuar que são bem diferentes desta visão limitada citada a cima. Muitas instituições renomadas e de pesquisa tem trabalhado com a psicanálise nestes casos e com excelentes resultados. Como exemplo desta prática cito o CRIA ligado a UNIFESP. Nenhuma teoria e prática exclui a outra, se completam e devem dialogar na busca do bem estar e da saúde dos pacientes que nos procuram. Muito ouvi que a educação e a psicanálise não caminham juntas e como educadora e psicanalista tenho exemplos que esta parceria é possível, desde que o estudo e a ética sejam devidamente respeitadas. O lugar de vida é um exemplo desta parceria bem sucedida.
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Eloisa concordo com vc em gênero, número e grau. Sou psicopedagoga e psicanalista trabalho há 12 anos com autismo e me chamou muita atenção que em nenhum momento foi mencionado o trabalho do psicopedagogo. Tenho acompanhado e coordenado projetos de inclusão nas escolas e é fundamental o apoio às famílias, A.Ts e professores. Compreender como este sujeito se organizou e como se organiza para auxiliá-lo no se percurso dentro da escola é um dos papéis e contribuições da psicopedagogia. Esta era a minha função no CRIA ( Centro de Referência da infância e da Adolescência) ligado a UNIFESP. Espero que seu comentário tenha alguma ressonância.
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Boa. Achei o programa superficial e se pretendia conscientizar a população, não surtiu efeito.
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Acho este texto de Wanderley, bastante esclarecedor e diz tudo o que achamos da psicanálise e sua relação com autismo. Trabalho com autismo há 6 anos em uma instituição pública – APAE – e temos conseguido grandes avanços com a Terapia Comportamental e os Métodos TEACCH (comprovados cientificamente) e o PECS.
O AUTISMO E SUA RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE
Wanderley Manoel Domingues
A Psicanálise como ramo do conhecimento humano, necessidade uma grande renovação para sua própria sobrevivência. Sua contribuição para a compreensão dos fenômenos mentais foi fundamental no século passado. As descobertas realizadas por Sigmund Freud influenciaram enormemente o pensamento ocidental, determinando uma mudança consistente, inclusive nos procedimentos hospitalares no que tange ao tratamento de pacientes portadores de distúrbios mentais. O brilhantismo intelectual de Sigmund Freud e sua visão de futuro foram fundamentais no pensamento moderno. Seus seguidores, MelanieKlein, Wilfred Bion, Winnicott, Margareth Mahler, entre outros tantos, buscaram uma compreensão dinâmica dos processos mentais, gerando a construção de um edifício teórico substancioso e de valor inestimável.
No entanto, o isolamento da Psicanálise acabou comprometendo sua evolução como um todo. A concepção visionária de Sigmund Freud – de que a bioquímica teria papel fundamental na compreensão dos fenômenos mentais, expressa em um de seus últimos trabalhos, Psicanálise terminável e interminável – não foi levada em conta pelos seus diversos seguidores. A Psicanálise não se associou à pesquisa científica com outras disciplinas. Traiu sua origem impactante e revolucionária, optando por um caminho acomodado numa prática clínica conservadora.
E o conhecimento científico evoluiu muito nas últimas décadas.
Atualmente temos muitas condições clínicas como a esquizofrenia,depressões, transtornos de ansiedade generalizada, autismo infantil, que são verdadeiras janelas para a compreensão da interação corpo-mente nos seres vivos. Os conhecimentos advindos das pesquisas mais recentes da genética e da biologia molecular, enriqueceram nossa compreensão sobre os referidos fenômenos. No entanto, a Psicanálise teima penosamente em recusar tais avanços, isolando-se do mundo acadêmico contemporâneo e mantendo-se num isolamento desnecessário, autístico e, portanto,improdutivo.
Tentarei, nesse artigo, preencher lacunas oriundas dessa dicotomia improdutiva do dilema corpo-mente.
O autismo é uma doença do neurodesenvolvimento. Sua descrição original veio de Leo Kanner, psiquiatra da Universidade John Hopkins, há mais de 50 anos, para descrever crianças ensimesmadas e com severos problemas de índole social no comportamento e na comunicação.
Sua incidência encontra-se estimada em 01 portador para cada 1000 nascimentos (atualmente: 1 para cada 92 nascidos), sendo 03 vezes mais freqüente no sexo masculino que no feminino. É doença que compromete o desenvolvimento infantil como um todo, limitando a vida da criança e de sua família.
Os sinais e sintomas compõem uma tríade: distúrbios na comunicação, distúrbios na sociabilidade e estereotipias motoras. A comunicação humana se torna falha, com perturbações no léxico e no semântico, determinando limitações importantes na interação pessoal. A sociabilidade é pobre, com sinais e sintomas de isolamento, indiferença aos estímulos afetivos,falta de evolução cognitiva e busca do prazer nas estereotipias motoras e no alheamento pessoal.
Estudos recentes sugerem um comprometimento genético, ligado aos cromossomas 7 e 15, gerando dificuldades na metilação da citosina, pelo menos no síndrome de Rett, variante feminino do espectro autístico. Tais alterações levariam à uma hiperfunção muito precoce do sistema de neurotransmissão dopaminérgico meso cortical nas regiões frontais, com alterações semelhantes à da esquizofrenia, porém ocorrendo nas fases inicias da vida infantil, comprometendo severamente a evolução dessas crianças no âmbito social, comunicacional e cognitivo.
Esse quadro clínico também pode ser decorrente de infecções gestacionais como rubéola, toxoplasmose, citomegalia congênitas,neurofibromatose, traumatismos de parto, meningoencefalites,traumatismos crânio-encefálicos. Portanto, sua determinação é multifatorial e não psicológica, como se acreditou durante muitas décadas.
A teoria compreensiva vigente era de que a mãe, pelo fato de ser pouco afetiva, rejeitadora e pouco continente, determinava em seu filho, tal quadro clínico. E a prática clínica utilizada,por conseqüência, era a de encaminhamento da mãe para um tratamento psicológico prolongado, visando solucionar suas culpas,pela sua participação em tal estado. Quanto ao paciente,ele era encaminhado para um tratamento verbal e interpretativo,porém incompatível com seus comprometimentos léxicos e semânticos,de longa duração, para resgatar sua evolução. Era natural que tal esquema simplificado redundasse num malogro, com uma evolução pobre e incompatível com dispêndio de tanto tempo e energia.
Hoje sabemos que o espectro autístico é composto por vários subgrupos: autismo típico, síndrome de Asperger, síndromede Rett, e autismo atípico, com diagnóstico diferencial para síndrome do X frágil, síndrome de Landau-Kleffner, síndrome de Williams. Há consenso mundial atual de que esses pacientes têm uma dificuldade de apreender os sentimentos do outro,mantendo um ponto de vista pessoal e único à respeito do mundo, com visão concreta e estereotipada dos fenômenos mentais.Quanto ao seu grau de compreensão, podemos dividir os pacientes autistas em 02 subgrupos: os de baixo funcionamento, com deficiência intelectual associada e, os de alto funcionamento,com inteligência e habilidades mentais superiores. Lembramos também que 1/3 desses pacientes manifestam crises convulsivas até o período da adolescência, denotando um componente cerebral importante na sua condição clínica.
Como podemos agregar, então, uma compreensão psicodinâmica e ao mesmo tempo clínica mais abrangente, que consiga dar uma dimensão mais ampla à fenômenos tão complexos?
O próprio Sigmund Freud deixou entrevisto, em seus inúmeros escritos, que o ser humano é o produto da sua constituição genética, acrescida das séries complementares de desenvolvimento,questão que a Psicanálise contemporânea parece ter esquecido.Estudos recentes, levados à efeito por Rakic e seu grupo,têm demonstrado que o cérebro precoce, em especial o tálamo,sob a influência de estimulação externa, tende à determinar uma especialização cortical diferenciada, com a construção de respostas também diferenciadas. Dito isto de uma outra forma, seríamos como seres humanos, o resultado, o produto de uma disposição genética constitutiva, influenciada pelas nossas experiências pessoais, construtoras do nosso modo de ser. Quando Margareth Mahler descreveu os 03 estágios infantis de desenvolvimento, como sendo: etapa autística,de simbiose e de separação materno-infantil, ela estava ressaltando,do meu ponto de vista, uma visão fenomenológica e não causal das vicissitudes do desenvolvimento infantil. Entre essa descrição fenomenológica e a crença de que a mãe seria a causadora do autismo infantil, vai uma distância abissal.
O que não podemos é concordar que a Psicanálise se torne autista e se recolha em concepções limitadas e limitantes.
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