Uma reforma nunca é só uma reforma

*Carlos Wagner Jota Guedes

Faz seis anos que mudei para a minha atual casa. A mudança do apartamento que morei por mais de 25 anos ocorreu por um motivo simples: eu estava no terceiro andar de escadas considerando a garagem. Olhei muito, mais de 100 imóveis em 2 anos. Muita coisa ruim, principalmente a parte dos banheiros que nunca se tornariam acessíveis. O motivo pelo qual mudamos é que queríamos algo acessível. João ia crescer e não dava para ficar carregando ele pra baixo e pra cima no colo.

A casa que compramos estava bem destruída, com seus quase quarenta anos de vida nunca tinha passado por reformas, muito menos por cuidados básicos de manutenção. Assim, a primeira coisa foi deixar a casa habitável. Depois a mudança da rede elétrica que além de velha era bem perigosa e a reorganização da área de serviço. Com o João com os seus quase 11 anos, as reformas de acessibilidade tornaram-se prementes. Assim, estamos em faze de obras, e agora é hora de um banheiro para ele tomar banho em uma cadeira de rodas de banho. Tá sendo feito um quarto no primeiro andar da casa, assim são menos escadas para vencer, moramos numa casa geminada de dois andares. Um elevador horizontal que traga João com sua cadeira de rodas lá da rua até dentro de casa. Ainda temos dois lances de escada para chegar dentro de casa, cada um com dez degraus. Essa última parte vai ser no final do ano, assim espero.

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#pratodosverem: o pedreiro levanta uma parede para o que vai ser o novo quarto.

Uma reforma que leve em conta acessibilidade para uma pessoa com deficiência física são inúmeros os desafios a serem enfrentados. O certo era contar com um arquiteto, mas não deu, com a grana de um arquiteto que eu confio dá para fazer boa parte da obra. Paciência!

O primeiro desafio é deixar de pensar exclusivamente como um andante e incluir a visão de mundo de cadeirante. É perguntar para seus amigos cadeirantes como é na casa deles, é ver com o João se a ideia foi bem pensada. Repensar a altura das coisas, os pequenos degraus, a posição do box. Aí entra outra parte, encontrar pedreiros que topem pensar isso. Essa parte eu acertei.

O segundo desafio é encontrar aqueles que prestam serviços de vidraceiro, por exemplo, que topem repensar os padrões. Por exemplo, uma janela não dá para ter o puxador no meio da janela, ele precisa ser baixo, para que o João da sua cadeira de rodas consiga abrir e fechar. Como colocar um box no banheiro sem aquele degrau criado pelo trilho? Por que se tiver o trilho, a cadeira de banho vai ter que sem empinada para entrar… e o João não vai poder tomar banho sozinho, se for assim. É uma dureza conseguir profissionais para isso, profissional que tope ir na sua casa pegar medidas e tentar achar soluções, vai gastar horas e mais horas para o que normalmente leva minutos. E o registro geral da casa, será que pode ficar no mesmo lugar de sempre, lá nas alturas?

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#pratodosverem: a foto é de um banheiro. Grande suficiente para circular com a cadeira de rodas. O box tem vão de passagem de 90 cm.

 

O terceiro desafio é ter dinheiro, porque uma obra numa casa para que ela tenha acessibilidade implica em comprar vários itens que uma casa sem acessibilidade não tem. Quer exemplo, barras no banheiro.

O quarto desafio é não deixar que a lábia dos vendedores te empurre um monte de coisas que você não precisa, tipo, aquele vaso sanitário que tem um furo na frente, por exemplo. A indústria cria muitas coisas supérfluas e os vendedores querem te vender. Se você cair na vontade dos vendedores…. Numa grande loja que fui, tinha um tal banheiro conforto, mais da metade das coisas ali não eram necessárias no nosso caso. Aliás, nessa loja tinha o pessoal que monta o projeto do banheiro, caso você vá comprar o material. Ótimos projetistas, desde que seja de um banheiro não acessível, neste momento, a convivência de 10 anos com pessoas com deficiência fez diferença.

Foram 50 dias de obras, reorganização do espaço, construção de paredes, derrubada de outras. Quanto ficou a obra? Prefiro não saber (provavelmente, algo na casa das duas dezenas de milhares), poderia ter feito o financiamento no Banco do Brasil, “Crédito Acessibilidade”, mas vou precisar dele até o final do ano para fazer a plataforma elevatória. Não saímos um dia sequer de casa para que a obra acontecesse, ficamos em alguns momentos isolados num quarto. “Comemos” e respiramos muita poeira. Tem jeito de ser diferente, deve ter, mas não tenho a calma, o dinheiro e a organização pessoal para que seja de outra forma. Reforma, nunca é só uma reforma, é um momento em que pagamos todos nossos pecados, acreditando que depois teremos o paraíso.

 

*Carlos Wagner Jota Guedes é sociólogo, pai do João Francisco, consultor em direitos das pessoas com deficiência e atleticano.